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Mai 13

A LENDA DO GALO DE BARCELOS

O cruzeiro quatrocentista que faz parte do espólio do Museu de Arqueologia da cidade de Barcelos, anda associado a uma curiosa lenda do galo. Segundo a sua narração, os naturais do burgo, andavam alarmados com um crime cometido na cidade e ainda mais por não se ter descoberto o criminoso.

Certo dia apareceu por aquelas bandas um galego de aspecto suspeito As autoridades decidiram prendê-lo e, apesar de todas as suas afirmações,  testemunhos e juramentos da sua inocência, não o acreditaram. Nada fazia crer aos investigadores que o homem se dirigia em peregrinação a Santiago de Compostela, cumprindo uma promessa como fervoroso devoto do Santo que em Compostela se venera assim como a São Paulo e Nossa Senhora. Porque não conseguiu convencer os juízes da sua inocência, foi condenado a forca.

Antes de ser enforcado solicitou fosse levado perante o juiz que o  condenara. Concedida a autorização, levaram-no ao magistrado, que nesse momento estava num grande banquete com alguns amigos. Então na sua presença o galego voltou a afirmar a sua inocência e ante a incredulidade dos presentes, indicando uma travessa com um galo assado, que estava sobre a mesa, exclamou: “É tão certo que sou inocente, como vos asseguro que esse galo cantará, quando me enforquem”.

Risos e comentários não se fizeram esperar, e por isso ninguém tocou no galo. No entanto o que parecia impossível se converteu num instante em realidade! Quando o peregrino estava a ser enforcado, o galo assado se levantou da mesa e cantou. Assim nada se devia duvidar da sua inocência. O juiz correu até junto da forca e mandou suspender a sentença e o mandou em Paz.

Passados anos voltou a Barcelos e fez levantar um monumento em honra da Virgem e de Santiago.

Obs- Cara Amiga. Como me pediu, eis a lenda do galo de Barcelos

Fevereiro – 2013     LUÍS COSTA

publicado por Varziano às 14:48

A   LENDA  DO  LONGUINHOS

 

 

      O Dr. Alberto Feio, no seu livro "BOM JESUS DO MONTE", a pag. 80. transcreve uma lenda que há muito anda arreigada na tradição da rapariga solteira que visita aquela estância de repouso e oração. Não fez mais do que trazer essa bela lenda à luz da escrita, dando assim azo a que ela mais se tornasse conhecida e como tal, umas por brincadeira e outras, quem sabe, na mira do milagre do Santo Longuinhos lá vão fingindo não estarem muito convencidas, só para "inglês ver", quando lá no fundo do seu intimo acreditam e se sacrificam porque por tentar  não vem mal ao mundo e pode o Santo fazer o milagre por muitas desejado.

Mas o melhor será ver o que sobre isto diz o consagrado historiador bracarense:

" Sobre o penedo onde existira a torre sineira do antigo Templo, levanta-se a estátua equestre de S. Longuinhos. É um soldado de avantajada estatura, com murrião, escudo e lança, montando corpulento ginete, tudo de granito da região.  Foi oferecida em 1819 pelo Dr. Luís de Castro do Couto, de Pico de Regalados, e executada por Pedro José Luís, que a concluiu em 1821.  Anda-lhe ligada já uma lenda : menina solteira que, em recolhido silêncio, der três voltas em seu redor  ( dizem que a pé cochinho ! !!) , no prazo de um ano passará ao rol das casadas  . . . "

Ora, com o que vamos dizer, não seja para desanimar quem tiver  a crença do Santo Milagreiro,(podem lá ir à vontade porque pode estar por  lá algum mirone à espera felicidade). Segundo o Códice nº  682 da Biblioteca Nacional de Lisboa - HISTÓRIA ECLESIÁSTICA E POLITICA DO PAÍS BRACARENSE DA ÉPOCA DO SECULO  XVIII -  manuscrito de autor desconhecido jamais houve qualquer S.Longuinhos.

Vejamos o que refere esse manuscrito a fol. 84 v. no original e 146 na cópia que possuímos:

       Adições

Março 16 =

S. Longins Martyrys - A História Evangélica do P.e Fr. Francisco de Jesus  Maria Sarmento, tomo 4, Capº 19, folha 221 a respeito de São Longuinhos diz o seguinte :  Dá-se comunemente a este soldado, que feriu o Lado de Jesus Cristo o nome de Longuinhos ; o Martirológio Romano faz dele  memória como Mártir em Cesareia da Capodecea a 13 de Março, cujo corpo diz, se conserva em Roma na Igreja de Stº Agostinho ."

" Mas o douto Serry mostra que o nome de Longuinhos não é de pessoa, mas sim de lança, que em grego se diz LONCHO; e que por isso os que não entenderam bem o texto grego, fizeram de uma lança um santo.  Com efeito assentaram os modernos críticos que tudo o que se tem escrito de Longuinhos é incerto, incerto o nome, incerta a pessoa e incerto o martírio.  Vide o Padre João Batista de Castro, na vida de Jesus Cristo, liv. 5, cap. 5, pag. 563. Anotação 33 da 3ª. Impressão, o Breviário Bracarense de Dom Rodrigo da Cunha a 15 de Março, e o de Dom Rodrigo de Moura Telles, a 16 do mesmo mês." 

 

      Pelo que se depreende pelas leituras acima, São Longuinhos, é mesmo uma lenda, mas a tradição manda e como tal se querem casar breve o melhor será cumpri-la "não vá o diabo tecê-las"

 

Braga, Dezembro de 1994

 

                             LUIS COSTA       

 

 

 

 

 

 

publicado por Varziano às 14:42

 

                 FIM DE  TARDE  CULTURAL

 

                    

      No passado sábado, ao fim da tarde, quando me dispunha a ir assistir a um recital de musica de cordas do período barroco, comemorativo do XVII aniversário de abertura ao público do Museu dos Biscainhos, fiquei deveras surpreendido, pois esperando ir  encontrar um conjunto de conspícuos executantes, deparei com um grupo de jovens músicos que constituíam a Orquestra de Câmara e o Quarteto de Cordas Artave.

 

      Francamente fiquei deveras surpreso e mais o fiquei depois de ver a mestria com que estes jovens, por certo alguns deles saídos do mundo rural, tomavam conta dos seus instrumentos, executando cuidadosamente a difícil tarefa de nos proporcionar um concerto de música barroca que deslumbrou a vasta assistência que encheu por completo o belo Salão Nobre daquela senhorial casa.

 

      De facto tudo ali se conjugou para nos dar a ilusão de que, recuando anos, estávamos em pleno século XVIII. Naquele salão nobre, respirou-se o século do esplendor, lembrando os tempos áureos em que o Senhor da Casa, punha à disposição da Sociedade de então a sua casa para ali, em reuniões, fazer roçar os vestidos   de seda de gentis damas, as casacas enfatuadas dos cavalheiros que então a frequentavam em serões memoráveis, os pares dançando ao som das valsas de Strauss, ou deliciando-se com composições de Amadeus Mozart, ou no piano da sala, num silêncio só perturbado pelo abanar dos confidentes leques, as melodias de Chopin. No ambiente, como disse, respirou-se naquele salão o século em que foi feito. É o tecto barroco pintado, é o lambri em azulejo a sugerir-nos esses tempos. Em nenhum outro lugar se poderia, com efeito, apresentar com mais realidade, um recital como nos foi proporcionado. E o público correspondeu vindo assim provar que apesar de toda a fricção e exaltamento dos tempos modernos ainda há muito boa gente que aprecia espectáculos como este que o Museu do Biscainhos e a Orquestra de Camara e o Quarteto de Cordas nos proporcionou.

 

      Que poderemos salientar neste memorável fim de tarde ?  Tudo !  desde o quarteto de Mozart, passando pelos concertos de Corelli e Vivaldi.

 

      Eu que de música nada percebo, mas que no entanto gosto de ouvir a boa, saí daquele Salão Nobre e daquela Casa, contente por apesar da impertinente chuva que caiu à saída em nada esfriar o meu contentamento por aquelas horas bem passadas a ouvir uma camada de jovens que são um prometedor futuro para a continuação dos cultores de boa música.

 

      Parabéns ao Museu dos Biscainhos que assim assinalou o seu Aniversário. Parabéns à sua Directora Exmª Senhora Drª. Teresa Almeida Eça, parabéns enfim à Artave, pelo que nos proporcionou e pelo que está a trabalhar para que não se perca o excelente grupo de executantes formados nas suas escolas. Não posso deixar de destacar também aqui o primeiro violino que nos parece irá ter um promissor futuro. Mas este destaque merecem-no também todos os restantes membros da Orquestra de Câmara e o Quarteto de Cordas.

 

      E para terminar, um recado e um pedido : Drª. Teresa, traga-nos mais, e mais, que o público de Braga responderá como respondeu no passado sábado.

 

Braga, 13 de Fevereiro de 1995 

                                         LUÍS COSTA

 

 

      UM PEDIDO : NÃO SERÁ POSSÍVEL, APROVEITAR A LIÇÃO DADA HÁ QUASE 20 ANOS, E CONTINUÁ-LA ?

publicado por Varziano às 14:33

 ROMARIAS   POPULARES

                       

      HÁ TANTO TEMPO QUE TE PROCURO

      E NUM T ' ACHO

      SE T ' ACHASSES

      COMO EU T ‘ ACHO

NUNCA T ‘ ACHARIAS

      COMO EU T ‘ ACHO !

 

      Era, e ainda é vulgar, nas feiras e romarias do Minho, formar-se num espaçoso largo, um circulo de pessoas que se prestam a ver e ouvir os CANTARES AO DESAFIO, costume tradicional que possivelmente terá as suas raízes nas velhas  Cantigas de Amigo e Mal Dizer.

      Sendo normalmente dois namorados, cada um puxava pelo outro a ver qual dos dois melhor se desenvencilhasse da piada que o parceiro ou parceira lhe tivesse dirigido através da quadra cantada,

      Normalmente essas reuniões de foliões era acompanhada um por um tocador de viola ou concertina quando os parceiros que iriam entrar na disputa poética popular encontrassem alguém pronto a acompanhá-los com esses instrumentos musicais .  Neste caso o despique teria mais valor pois a música , por mais variada, dava  mais entusiasmo não só aos cantadores como até ao público que ali se juntava para ouvir os  descantes.

      Ele, com a vara de conduzir os bois, arrimada à cava do braço e fincada no chão, o que servia não só para não se desequilibrar no meio da refrega cantadeira mas também para  descansar, e ela com os braços pousados em arco na cinta, onde se distinguia o característico lenço de cabeça, o xaile e saia bordada a garridas cores,  trabalho em lã, corpete bem retesado, fazendo sobressair os  seios, como abaixo se vai descrever,  toda se bamboleava, quando, com a sua resposta, pensava ter arrumado com o opositor.

      Ele de chapéu cambado,  na cinta o Registo do Santo da festa, calças afuniladas, botas ou tamancos ferrados, colete desabotoado, faixa colorida avermelhada à volta da cinta, quase segurando as calças, camisa de linho, enfeitada com bordado com flores , feitos por hábeis mãos de apaixonadas camponesas que também bordavam os chamados lenços de namorados, que  os moços traziam de volta do pescoço sinal de estarem comprometidos, e na qual escreviam, se assim pode dizer ao lavor, quadras ou promessas de amor.

      Vários sãos os trajos das minhotas, principalmente nesta região. No entanto ela, hoje, a cantadeira apresentou-se com o chamado da Ribeira : lenço de merino de cores garridas, atado em turbante sobre o pescoço, camisa de linho bordada a branco e a ponto de cruz, no peito a nas mangas, colete reduzido quase reduzido a tiras, que faz sobressair o busto. Sobre o peito, cruzado um lenço também de merino, de  cores vistosas, atado em laço nas costas. A saia de cetim preto, abundantemente rodada, enriquecida por vidrilhos. Um grande avental, decorada com tiras de veludo colorido os indispensáveis vidrilhos, brilhando e reluzindo á luz. Ao lado deste uma algibeira em feitio de coração, recoberta de missanga. As meias brancas rendadas faziam sobressair as chinelas de verniz, que calçavam os pés. O ouro, sempre presente no trajo festivo da minhota, ressaltava do pescoço em grossos cordões e das orelhas, pendentes valiosas argolas ou brincos à rainha. Assim preparado o cenário, eis que estão prontos os comparsas para o prélio " cantitístigo " que se iria processar.

      Um deles lança a primeira chistosa quadra. Não interessa ser ele ou ela, o que primeiro se atreveu, foi ela :

                        Não me atires com pedrinhas

      Ao folho do avental.

      A minha mãe não me criou 

                        P'r´òs moços do areal !

ao que ele de pronto responde :

                        Hei-de amar um vale verde,

                        Enquanto tiver verdura.

                        E não te hei-de amar a ti,

                        Coração de pedra dura!

E de novo ela responde : 

                        O anel que me deste

                        Era de vidro, quebrou-se!

                        O amor que me tinhas,

                        Era pouco, acabou-se!

Cabe a vez ao “cantador” :

                        Maria, vê se te recordas

                        Daquela noite de luar.

                        Eu com os olhos em terra

                        Tu, com eles no ar !

E, ela respondendo :

                        Todo o sempre recordo

                        O dia em que te vi.

                        Adormeço em ti pensando

                        Acordo pensando em ti !

Novo o cantor :

                        Ó minha carinha linda

                        Cara cheia de sinais.

                        No dia em que te não vejo

                        O meu coração só dá ais.

E assim continuava, por algum tempo, até que os romeiros “Cantadores ao desafio” , muito embora apesar de serem instados e aplaudidos pelo público, acabavam a “peleja”.

16 de Janeiro de 2013               LUÍS COSTA

publicado por Varziano às 14:26

SANTA   MARIA   DE BOURO

 

      A  800  ANOS  DA INSTALAÇÃO DOS MONGES DE CISTER

                       

                                                                                 Decorreu no ano de 1995, o  OITAVO CENTENÁRIO  da instalação dos Monges de Cister, no antigo cenóbio beneditino do seculo  XII, que já existia em 1148. Sendo a ordem de Cister, um ramo desviado da ordem de São Bento, por São Bernardo, parece que a sua instalação em Portugal se ficou a dever ao primeiro rei de Portugal - Dom Afonso Henriques - ou a sua mulher Dona Mafalda, conterrânea de São Bernardo de Clavaral, que convenceu os monges beneditinos a trocaram os seus hábitos negros pelo branco dos cistercienses.

      Fazendo fé na inscrição que se sobrepõe sobre a estátua de D. Afonso Henriques, de joelhos e mãos postas, fitando o céu, consubstanciando na pedra, como no frontão da igreja de Santa Cruz, em Braga, a aparição de Ourique, em listel ondulante a legenda: "AOS INFIEIS SNR ", e ainda sublinhada, por inscrições gravadas latinas a frase : 1 ª . "ALFONSUS COMES PORTUGALIE EXCELSUS ", seguida e intervalada de porta e varanda, voltada para o terreiro outra frase: " ALFONSUS I. US HUJUS DOMUS REGNIQUE FUNDATOR ", ficamos na dúvida se teria sido por influência de Dona Mafalda, que Dom Henrique fundou este mosteiro, ou se ele já existiria como cenóbio, como parece estar provado, pertencente aos monges de São Bento.

      Leva a crer que a primitiva ordem instalada em Bouro fosse de facto a de São Bento, e isto porque na fachada do edifício conventual se encontram as esculturas de São Bento ao lado da de São Bernardo de Clavaral, o que nos mostra a antiguidade e antecedência da ordem dos Monges Negros sobre a dos Monges Brancos de Cister.

      Sabe-se que Dom Afonso Henriques concedeu abastados rendimentos a este antigo mosteiro. Possivelmente este gesto de benemerência para com os Monges Brancos, ficou a dever-se à ajuda que lhe deram na conquista de Santarém. Pelo menos o mesmo gesto foi acentuado quando, em cumprimento de promessa feita, cumprimento apenas baseado em uma lenda, lhes fundou a Real Abadia de Alcobaça.

      Monges guerreiros e lavradores a eles se ficou a dever o grande incremento dado à fruticultura, que transformaram os terrenos pantanosos do rio Alcoa, no verdadeiro pomar de Portugal que é hoje a região de Alcobaça.

      Quanto à concessão dos benefícios concedidos por Dom Afonso Henriques a esta ordem bastar-nos-á o facto de numa das edículas que preenchem a fachada do Convento, lá estar representado, orando, o primeiro rei de Portugal, ( alusão ao Milagre de Ourique ) o que, quanto a nós, é bastante para que, pelo menos na tradição, se atribua a sua fundação a Dom Afonso Henriques,  muito embora datem esta e as outras edículas em que estão as esculturas, e elas mesmo,  do Conde Dom Henrique,  de Dom Sebastião,  do Cardeal Rei Dom Henrique e Dom João  IV, e ainda a Sagrada Família, se saiba que elas datam do século  X V I I I , quando da remodelação e recuperação do edifício conventual e da igreja, data em que foi profundamente alterado o traçado românico desta  mole de pedra.

      Tal foi a importância deste mosteiro e seus ocupantes, que dois séculos depois, reconhecendo o seu esforço nas diversas fossadas na defesa do território e independência de Portugal, foi atribuído aos Abades de Bouro o papel de defensores da Portela do Homem contra a invasão dos castelhanos.  

      De nada valeu o trabalho que estes Monges Brancos tiveram. O seu trabalho, tanto ajuda para consolidar este pequeno país á beira mar plantado e que deu novos mundos ao mundo  fosse reconhecido, o seu ensino nas novas técnicas agrícolas que introduziram em Portugal, todo o seu esforço acabou quando a iniqua lei de 1834, os expulsou como a outros, do território nacional e ultramarino, sem cuidarem, ao menos de salvarem, pelo menos,  o que deixaram atrás de si de bom. E assim assistimos à ruina dessas casas que reis e pessoas ilustres tinham acarinhado. Praticamente ao abandono umas, outras vendidas ao desbarato com o único fim de se destruir obras de séculos. Eram então os ventos da mudança que sempre os nossos governantes gostaram de imitar, mas sem aproveitarem a lição dos outros.

      Ontem como hoje. Bem aqui ao lado, na vizinha Espanha, também como por lá sopraram os tais ventos, mas parece ter havido outro cuidado em preservar aquilo que durante séculos custou a levantar. Vários são os exemplos que ainda hoje nos estão a dar.  O salvamento do Mosteiro Cisterciense de Santa Maria la Real de Osera, é disso exemplo. O Mosteiro de São Francisco em Santiago de Compostela, e o de "Poio", em Pontevedra, é mais um. Todos eles entregues as respectivas ordens a que pertenciam, ou outras que tomaram o seu lugar, lá estão prósperos e bem conservados.  Neles as instituições religiosas transformaram uma parte para servir de estalagens esmeradas, enquanto que uma outra é reservada ao religiosos que administram os seus bens. E até, quanto ao de São Francisco, são estudantes que prestam o serviço nas mesas dos comedouros (salas de jantar).

       Mas não se ficou só pela Espanha Continental.  Esta maneira de olhar para esses monumentos do passado estendeu-se até às antigas Colónias Espanholas da América. Em Santiago do Chile, o convento de São Francisco, conseguiu preservar uma valiosa pinoteca que enche por completa várias salas com pinturas de grandes mestres. E aqui, que é dos quadros da famosa pinoteca do Mosteiro de Tibães? Alguns foram vendidos quase ao desbarato e outros ou acabaram nos antiquários ou pura e simplesmente foram destruídos pela humidade que trespassou dos esventrados telhados.

       Mas não só os conventos e igrejas foram, na vizinha Espanha, salvos. Também Castelos - "paradors" assim lhes chamam - como o Parador Nacional "Conde de Gondomar", em Baiona ou o castelo de Pedro "Madruga" em Souttomayor, este apenas servindo para visitar. É certo que por cá alguma coisa se fez. Não podemos esquecer os Palácios de Sintra, alguns de Lisboa, o Paço dos Duques, e o Convento da Costa, em Guimarães,(este último transformado em pousada ) e outros no Porto, mas não podemos olvidar o Convento de Júnias, o Convento de Tibães, tão tardiamente se está hoje a restaurar, o de Rendufe, agora um pouco mais agradável, mas graças ao malogrado pároco poveiro e meu chorado amigo Cezar Marques, o Convento de Vilar de Frades e outros muito mais espalhados por esse País fora.

       Estando agora a fazer-se o restauro o Convento de Bouro, para servir como de pórtico para a entrada no Parque Peneda-Gerês, e que no futuro irá servir como pousada a explorar por uma grande empresa. Não seria melhor entregue de novo aos Monges de Cister, seguindo o exemplo da Galiza, para a sua exploração, reservando uma parte à instituição religiosa?

       Será esta sugestão uma utopia, mas até certo ponto, já que parece que as comemorações  do oitavo centenário se ficarão apenas pelas intenções, não seria agradável voltar a ouvir ressoar por aqueles restaurados claustros a voz cantante dos monges brancos entoando o canto gregoriano?

 

Braga, Páscoa de 1995

                             LUIS COSTA

 

publicado por Varziano às 14:14

 

 

                             DUAS  EFEMÉRIDES  ASSINALAVEIS

                                         DECORREM ESTE MES

 

     

      No dia 30 de Novembro de 1720, nasceu em Braga, na rua do Souto, filho do mercador João Soares da Silva, natural de Parada de Barbudo ( Vila Verde ) e de sua mulher, Isabel Ribeiro, de Braga, um dos maiores vultos da arte e arquitectura bracarense - Andre Soares Ribeiro da Silva - que ficou na história de Braga apenas com o nome de ANDRÉ SOARES, vai, portanto, comemorar-se dentro de dias 276 anos.

 

      Curiosamente é também neste mês de Novembro, que se assinala, o dia do seu passamento. De facto André Soares, morreu solteiro, não muito longe daquele arruado bracarense, na rua de São Miguel-o-Anjo ( hoje Visconde Pindela ), com apenas 49 anos de idade, no dia 26 de Novembro de 1769 - há 227 anos.

 

      Robert C. Smith, o infausto investigador americano, que dedicou a sua vida ao estudo do estilo barroco, não só em Portugal como no Brasil, e que teve o mérito de descobrir, de entre o  meio do pó do esquecimento onde se encontrava, o nome de André Soares, apelidou êste notável aritsta bracarense que encheu não só a cidade como outros pontos do Norte do País de extraordinárias obras de arte e arquitectura como o ARQUITECTO DO MINHO.

 

      De facto, ao percorrermos o Norte do Portugal, rara é a mais pequena ermida ou o mais sumptuoso templo, onde não vemos qualquer coisa que nos chame a atenção para a arte, que pela sua profunda originalidade, não nos traga à mente o nome de André Soares. O seu génio, o seu grau de bom gosto, seguido por outros, até seus discipulos, deu origem ao epíteto de BRAGA,  CIDADE BARROCA POR EXCELENCIA, onde êste modo de construção se acentuou e daqui irradiou pela Minho, e por todas as terras circunvizinhas.

 

      Mas, André Soares, não se limitou a seguir o estilo que tinha surgido no centro da Europa, ou  do seu contemporanio Nasoni, que deixou  no Porto - e o que o exemplo mais faustoso é, possivelmente, a Torre dos Clérigos - a sua marca pessoal.  André Soares, criou o seu estilo próprio, chamado SOARESCO, no qual combinou, criteriorsamente, todos os ramos de que se compõe o baroco, desde as placas, aos motivos ro-có-có, as mitras, enfim todo um novo e seu estilo próprio.

 

      Discipulo e colaborador de Marceliano de Araújo, com quem chegou a trabalhar pelo menos no remate final e tardio dos tres retábulos do altar-mor da Igreja da Misericórdia, em Braga, sofreu por certo a influência do maneirismo barroco joanino, deste seu mestre. Robert Smith diz " que acusa semelhanças positivas na iluminura grisalha do frontespicio dos Estatutos da Irmandade do Bom Jesus e de Santa Ana, a primeira obra conhecida assinada por André Soares " nós acrescentaremos na planta por nós revelada e por ele assinada que é a planta de Braga, dos meados do século  X V I I I .

 

      Surge-nos, André Soares, num perído um tanto obscuro, entre os artistas do periodo do Arcebispo Dom Rodrigo de Moura Telles, como o arquitecto oficial do exército Vililobos e os mestres de arquitectura Manuel Fernandes da Silva e outros, como uma ligação com o mestre de entalha Marceliano de Araújo, dando assim continuidade a uma arte de que hoje Braga se orgulha.

 

      Robert Smit, não se coíbe de encher o seu nome dos mais variados encómios, chegando a apelidá-lo do " GRANDE POETA DO GRANITO, virtuoso do castanho dourado ".   

      Com o seu estilo próprio, estilo a que já acima fizemos referência, depressa alcançou a posição de chefe da sua escola própria, na cidade de Braga, cidade que dada sua fugaz passagem por este mundo, muito teria a lucrar. E neste caso não seria só a Casa da Camara, o palacete do Raio, a Casa do Rolão, a igreja dos Congregados, o sacrário da igreja da Senhora-a-Branca, o templo de Santa Maria Madalena, as numerosas obras de talha que deixou espalhadas por esses templos como o do Convento de Tibães, as sanefas da Igreja de São Vicente, e outras obras que seria fastidioso enumerar, veríamos com orgulho muitas e muitas mais outras obras devidas ao seu extraordinário talento e por certo o seu nome alcançaria ainda uma maior repercussão a nível nacional, não se ficando apenas pelos Arcos, pela Póvoa de Varzim ou por Guimarães que são terras que se honram de possuir, dentro do seu aro, obras do ARQUITECTO DO MINHO. 

 

 

Braga, 10 de Novembro de 1996

 

                                   LUIS COSTA

publicado por Varziano às 14:12

 

 

                       

                        BRAGA E A PRIMEIRA

                                                                                                                     GRANDE GUERRA

 

      Muito embora na Europa, Portugal não tivesse fronteiras com a Alemanha, tinha-as nos territórios ultramarinos, principalmente em Angola, onde confrontava a Sul com o Sudoeste Alemão, ou seja o hoje território da Namíbia, rico em diamantes. Devido ao tratado de Aliança com a Inglaterra, o célebre tratado de Tagilde, estabelecido em 10 de Julho de 1372, entre Portugal e a velha Albion, durante os períodos mais cruciais dessa hecatombe mundial que foi a guerra de 1914-1918, a Grã--Bretanha evocou essa aliança pedindo ao Governo Português que aprisionasse todos os navios mercantes alemães que se encontrassem em portos do Continente, Ilhas e Ultramar. Como Portugal, tinha necessidade de alguns desses navios para o seu comércio internacional, desorganizado devido à Guerra, aproveitou o pedido feito pelos Ingleses em 10 de Dezembro de 1915,e em 24 de Fevereiro e até Julho de 1916, o governo português requisitou SETENTA NAVIOS ALEMÃES e DOIS AUSTRO-HUNGAROS.

 

      Como resultado desta medida foi o do Império Alemão, considerando a quebra de neutralidade, tivesse declarado guerra a Portugal e principiasse por atacar as zonas que se encontravam ao lado das fronteiras das suas colónias de África, como a de Angola onde se fizeram sentir os primeiros embates entre tropas portuguesas e germânicas. Estas acções levaram a que Portugal entrasse directamente no conflito europeu, declarando, por sua vez também guerra à Alemanha, ao lado dos aliados e enviando tropas para a Flandres, o que constituiu o "Corpo Expedicionário Português" que sob o comando do Marechal Gomes da Costa, se cobriu de glória, ficando para todo o sempre lembrada a gloriosa epopeia do 9 de Abril, a batala de La Liz. As unidades de Braga fizeram parte desse Corpo Expedicionário e no qual estavam incluídos, simples soldados, sargentos e oficiais e nomes de oficiais superiores bracarenses como prova um documento que me chegou às mãos.

 

      Não podia a Câmara de Braga ficar indiferente a esta tomada de medida do Governo e assim manifestou o seu completo acordo, como podemos ver pelo Livro de Actas de 1915-1916, que a fol. 49 diz:

      "...Ofícios :...do Presidente da Comissão representante de todos os partidos da República, no Porto, pedindo para que neste concelho se promova uma manifestação patriótica, por motivo da declaração de guerra da Alemanha ; do presidente da Comissão Promotora as manifestações patrióticas em honra ao Governo Nacional, pedindo o concurso da Câmara para levar a efeito esta em patriótico intento.

      O senhor Presidente fez em seguida a apologia da Pátria, dos feitos gloriosos que enriquecem a história de Portugal e da causa patriótica que vibra em todas os corações, o que é penhor seguro de que não pode ser vencido um povo que tão arreigadas tem os sentimentos de Honra, de Liberdade e de Civilização. Refere-se à Bélgica e à Sérvia, povos pequenos mas que tão alto souberam elevar-se no conceito do mundo inteiro, e sendo o Brasil, o povo irmão de além-mar que no momento em que a Alemanha nos declarou guerra, nos deu toda a sua solidariedade. Propôs, por isso, que a Comissão executiva se unisse a todas as manifestações patrióticas e se enviassem telegramas de saudações ao Chefe do Governo e aos Senhores Ministros da Guerra e Marinha, aclamando neles os exércitos de terra e mar. Assim se deliberou...

 

 

      Entretanto a Câmara tomou conhecimento de um feito glorioso das tropas portuguesas nas terras de África e como tal congratulou-se pelo facto exarando na acta de 14 de Abril de 1916, o Excelentíssimo Senhor Presidente referiu-se à tomada de Kiongo (África) pelas nossas tropas, cujo heroísmo e amor pátrio pôs em destaque, propondo que ao venerando Presidente da Republica se telegrama saudando nele o exército português.”

 

      E assim viu a Câmara de Braga, a entrada de Portugal na Primeira Grande Guerra, na qual, o exército português não desmereceu, contribuindo com o seu sangue, para a vitória dos aliados.

Braga- Setembro de 1994

publicado por Varziano às 14:07

BOTAR  OS NERVOS P'R'AS PERNAS

 

      Famosos foram os banheiros da Póvoa. Se bem me lembro foi  essa estirpe de homens bons, homens de uma seriedade a toda a prova, e que hoje é, felizmente, ainda seguida pelos seus sucessores, que contribuiram para que o nome da praia da Póvoa extravasasse as fronteiras do seu pequeno concelho e se espalhasse por todo o Norte do País, desde a raia minhota e transmontana até ao Douro Litoral. Os Tambucos, os da Hora, os Canetas, os Moucos, os Sérgios eram conhecidos em todo o Norte de Portugal.  A Póvoa, eram então há sessenta anos, tal como hoje a praia por excelência de todo o Norte.  Braga, Guimarães, Famalicão, Vieira, Fafe, Póvoa de Lanhoso, Chaves, Vila Real ( que sei eu de outras terras ! ), ontem como hoje, aqui vem desaguar nos meses calmosos de verão.

 

      Mas até há uns bons sessenta anos ( quando da minha mocidade passada nesta terra de maravilha ), a época mais procurada, a chamada época cheia, decorria entre o mês de Agosto e Setembro, prolongando-se, por vezes, por Outubro fora, quando os chamados ceboleiros, gente do campo que vinha fazer a sua cura contra o reumático nos milagrosos banhos quentes  de água salgada, que quatro ou cinco estabecimentos termais, espalhados por casas do Passeio Alegre e Avenida dos Banhos, se dedicavam a proporcionar aos doentes um remédio bom e barato e que se não fizessem bem a todos, mal também não lhes fazia.

 

      Mas como disse, a época balnear não se confinava só aos meses citados acima. Quando o tempo o permitia, prolongava-se a época por parte do mês de Novembro. No final das colheitas e vindimas, por Outubro, desciam dos campos até ao mar da Póvoa, os chamados ceboleiros , epigrama que nada tinha de desprestigioso para com a gente do campo, que só depois dos seus trabalhos agrícolas completados podiam procurar cumprir com o receituado pelos seus facultativos, que lhe indicavam qual o numero de cachafundas ( banhos de mar ) que tinham de tomar ou os banhos quentes a que se deviam sujeitar. Era então vulgar verem-se gupos de banhistas ,mal o Sol despontava, dirigirem-se para o mar para tomar o seu primeiro banho, que horas depois se repetia, pois se o fizessem duas ou tres vezes por dia, mais depressa acabavam com o receituado.  Alguns desses banhistas  serodios, prolongavam a sua estadia e muitas vezes, o São Martinho era festejado na praia.

     

      Procuravam estas curas não só a gente do Campo, mas também os senhores, os citadinos,

que nestes banhos viam o alívio dos seus males que os afligiam, principalmente, durante o Inverno.  Estou a lembrar-me de um bracarense,brasileiro de torna viagem, que depois de ter sido atingido pelo reumático nas plagas húmidas do sertão, regressou à terra Pátria e procurou, em quase todas as termas do País alívio para o seu mal sem nunca surtir efeiro.  Um dia falaram-lhe nas curas maravilhosas dos banhos quentes da água salgada da Póvinha do Mar, e então aqui procurou remédio para a doença que o afligia, principalmente no Inverno, época em que mais se faz sentir o mal.

 

      Tão bem se deu, que na Póvoa assentou arraiais e por cá ficou e até, talvez, em agradecimento pela sua cura ou alívio, se tornou um dos beneméritos da então vila da Póvoa, que lhe agradeceu, não só construindo um mausoléu para os seus restos mortais, mas até atribuiu o seu nome honrado a uma artéria principal da vila . Refiro-me a Santos Minho, rua onde morei por perto de vinte anos

 

      Mas o escrito não era com o fim que venho expondo, como se depreende pelo titulo, mas sim outro.  A disposição das barracas, tal como hoje se veem, para os veranistas desfrutarem a beleza do mar, a sua frescura, não era esta. Pode dizer-se que elas nem existiam. Existia sim um toldo. coberto a lona, e com bancos de jardim, onde os papás e as mamás assistiam, da parte da manhã, ás cachafundas da praxe, da sua prole. De tarde o entretenimento, era passado debaixo dos toldos de zinco ( quantos casamentos ali tiveram a sua origem ! ), onde os jogos dos mais novos se desenrolavam, passando as quentes tardes abrigados das fustigantes nortadas, com por exemplo o jogo anelzinho ( babona, que estás no meio, babona, estás vendo o anel passar, sem nunca o podereres agarrar ! ) ocasião propicia para que as mãos dos namorados se pudessem tocar, prazer único, quase só consentido debaixo dos olhares dos progenitores.

 

      Mas lá estou a desviar-me quase perdendo o fio à meada. Ora, nesse já recuado tempo, os fatos de banho, principalmente os das moças, era quase como o hoje pijama. Do corpo, praticamente, só os pés, a cara e as mãos ficavam a descoberto. Não estava ainda em moda o corpo bonzeado. As fogosas banhistas e os banhistas tinham barracas, propriedade do concessionário da zona, disposta em linha, perpendiculares, à linha da maré, que as alugavem para que dentro e a bom recato, vestissem o seu pudico fato de banho, muitas vezes alugado ao banheiro.  Fora encontrava-se uma bacia com água salgada que tinha por função, quando prontos para o banho, entrar em contacto com a água fria do mar. Dizia-se então que era para BOTAR OS NERVOS P'R'ÁS PERNAS. Outro fim tinha também essa bacia que era o de, depois de vestidos, limparem a areia dos pés.

 

      No entanto, algumas vezes servia para outra coisa. Servia para um banho forçado. Eu explico. As barracas para se preparem para o banho nem sempre estavam em boas condições e algumas tinham até uns buraquitos que serviam para os marotos  espreitarem os belos corpos que a vestimenta do banho encobria. As banheiras sempre à espreita ( os homens tinham outra função qual era a de nos seus braços possantes darem as cachafundas necessárias aos que delas precisassem, que no final tinham ainda o prazer de se amarrarem à corda ), quando nos viam, os marotos ( ia-me a fugir a boca para a mentira ) a espreitar, vai de bacia pelo ar, e encharcava o curioso, que tinha de dar às de vila Diogo , se não a coisa não ficava por ali.

 

      Ai, como é bom recordar as brincadeiras e as malandrices da mocidade !

 

 

Braga, Julho de 1977

 

 

                                   LUIS   COSTA

     

 

 

 

 

 

publicado por Varziano às 12:51

V E S T I M E N T E I R O S

 

      As Procissões no Minho, ou melhor em todo o Norte de Portugal tem uma característica muito especial e que, quanto o saibamos, é única no País. Essa notável usança das procissões, especialmente minhotas, e neste nosso caso as que em Braga se realizam, tem a enriquece-las um figurado relacionado com o tema da procissão, que as torna deslumbrantes. Trata-se da riqueza com que se adornam os anjinhos, como vulgarmente se denominam as crianças que intervém nos quadros vivos figurativos e alusivos aos passos que se desenrolam no cortejo religioso. Em tempos não muito recuados, as vestimentas desses anjinhos eram tecidos nobres - seda, veludo, fitilhas e véus (entre 1762 e 1874, detectamos mais de vinte e seis fábricas de sedas, só no aro da cidade).Essas fábricas forneciam não só as necessidades dos paramentos que os ofícios divinos exigiam mas também forneciam os Vestimenteiros, comerciantes que dedicavam a sua profissão a vestir os anjos para as procissões. E não se admirem se dissermos que essa profissão eram rendosa e de bom lucro quando pensarmos que só a cargo do Senado da Câmara se faziam cerca de sessenta procissões anuais !

 

      Razão tinham os Arcebispos quando fomentavam a plantação da amoreiras, principal e único alimento do bicho-da-seda, e as fábricas que, por si, davam que fazer a inúmeros serigueiros ou sirgueiros, artesãos que se dedicavam a tecer a seda.

 

      Com aparecimento do nyllon , praticamente desapareceu no figurado a nobre seda e veludo, agora substituído pelos novos tecidos. No entanto, à primeira vista, nada se perdeu e até certo ponto se ficou a ganhar com a introdução do novo produto. Com efeito se se perdeu, até certo ponto, o luxo dos tecidos nobres, em compensação o nyllon com a diversidade de cores e maior consistência deu um maior deslumbramento a todo o figurado. Os véus esvoaçantes, as roupagens brilhantes e com dobras fixas, onduladas como pelo vento, dá-nos a impressão de anjinhos ressuscitados  do século XVIII, que trouxeram até nós, de novo, todo o esplendor do barroco.

 

Braga, 22 de Dezembro de 1994

                                         LUÍS COSTA

 

                       

 

 

 

 

 

 

publicado por Varziano às 12:47

20
Fev 13
INÊS DE CASTRO

COROA DE AMOR E VINGANÇA
- 1 -
A triste história da galega Inês de Castro, amada além da vida, que reinou, na Corte Portuguesa, depois de morrer.

Até seis anjos velam o seu sono. Solícitos, como habituados à tarefa que lhes encomendou o desconhecido artista de tal maravilha funerária, estende os seus braços para compor os mil detalhes do túmulo, suportado por quatro esfinges. O que está à cabeceira, à esquerda, toca e guarda o toucado de sua dama. O que segue, faz outro tanto com o ramo de lírios que sustenta em suas mãos que parece que sonha. Todo o coro, se extasia na contemplação a que foi eternamente destinado.
Dona Inês apoia a cabeça sobre duas almofadas e veste galas a um tempo sóbrias e ricas, sobre um historiado dossel. As riscas do cabelo, alisados, partem do meio da ampla testa e cobrem as orelhas com a suavidade da água mansa. Forte e belo colo de garça, remata o início do seio, firme e pequeno. Parecem humedecidas as roupagens compridas que não permitem ver os pés, envoltos nas pregas marmóreas.
Côa-se o último raio de Sol de uma melancólica tarde outonal no cruzeiro do templo de Alcobaça, em Leiria, como se tudo fora o ocaso pressentido neste País de lirismo e saudade. Apenas se notam já os detalhes do lavor, rico em nervuras, volutas e colunas, tão altas, que semelham divisar o céu. Uma música suave, fastidiosa, como aroma de presbitério oriental, alaga o espaço deserto.
Por um momento quer ser um sussuro dos lábios entreabertos, pétalas de uma rosa imarcescível, que a galega que amou e morreu por amor mui adorável na corte gótica de Pedro, seu amado, apodado de Cruel e quem deve recordar-se como um enamorado justiceiro, cuja vida glosaram legiões de poetas, desde Luís de Camões a Júlio Dantas e, por desconhece-lo, se perdeu uma glosa de Shakespeare, já que a “possuidora” de grandes olhos azuis, como lagos, amou mais que Julieta e lhe cortaram a sua pujante vida mais brutalmente do que como acabou a de Ofélia.
Que nenhum incomodado genealogista se atreva a insinuar sequer a bastardia de origem em tão nobre e apaixonado coração. Veio ao mundo em Monforte, cidade ilustre das terras lucenses, em 1325, filha de Pedro Fernandéz de Castro, o temido “senhor da guerra” e da lusitana Aldonza Soares de Valladares. Teve uma irmã que até se atrevíu a competir com ela em beleza, e dois irmãos intrigantes, ambiciosos, que precipitaram o seu destino. Muito pequena deve ter conhecido o país onde tão depressa acabou a sua apaixonada existência.




INÊS DE CASTRO -

-2 -

PARA CONHECIMENTO DESTE DRAMA E A SUA GRANDE
ATRACÇÃO FORAM OS FEROZES ARREBATAMENTOS DE
PEDRO, O CRUEL ou JUSTICEIRO

A adolescência de Inês decorreu em Castela na corte do seu parente o infante dom João Manuel, frequentador assíduo da casa e amante de poesia, autor de “O Conde Lucanor” e de tratados de falcoaria do que lhe veio a experiência em jornadas proveitosas com aves de rapina altaneiras. A pupila, menina de dona Constância, descansaria em sua mão enluvada, estendida até ao braço por temor, sobressaltos encapuçados, como cascavel cujo tilintar o devolveriam os muros denticulados do Castelo de Penafiel, navio varado no mar imaginário da chamada Castela.
Negócios políticos daquela gótica Espanha no começo concluíram em concreto, que o casamento entre a infanta Constância e o herdeiro de Afonso IV, o atrevido. Desde este o lado da então recente fronteira, convinha recuperar Portugal para Castela, unindo-o no tálamo. Desde a Lusitânia, a secreta intenção era sempre a mesma.
Inês, de quinze anos, veio para Coimbra, a esbelta urbe que se eleva junto ao Mondego acompanhada da sua parente, de corpo pequeno e em demasia roliço, pouco dotada pela natureza, ainda que com um coração ardente que se arrebatou com a galanteria do seu prometido, não obstante a vaidade do seu falar.
Houve dilatados e faustosos anúncios da boda. A pequena galega atendia a sua senhora e convivia com a corte. Começou por exaltar paixões a sua beleza fresca, a sua graça pessoal. Nessa língua que não conhece fronteiras, mas que é tão apta para versificar, inspirou madrigais e cantares que hoje integram cancioneiros de ternura. E entre aqueles que irremediavelmente caíram nas redes dos seus atractivos estava Pedro, o príncipe das esperanças conjuntas de ambos os reinos.
Constância, como mulher, começou a suspeitá-lo. A principio não quis admitir que a sua amiga – Inês – sua amiga de sempre, sua conselheira, a irmã do coração e alma de todas as suas confidências, poderia arrebatar-lhe, aquilo que mais amava no mundo, Pedro. Mas a realidade, entretanto, acabou por impor-se, acumulando detalhes que analisava na solidão do seu desgosto, entre prantos de angústia.
As suspeitas, as participou ao Rei Afonso, feitas em conciliábulo secreto da corte entre prelados e nobres. A imediata maternidade de Constância poderia ser o remédio que secaria um veneno que começava a ser torrente caudalosa. Do infante que nascesse seria madrinha Inês, que ao contrair parentesco canónico por este meio com a princesa teria de seguida suportar o impacto de uma relação aos olhos da igreja pouco menos que incestuosa.
O pequeno infante faleceu pouco depois. A história apenas recorda que lhe puseram o nome de Luís. A monarquia precisava de continuidade e aos poucos, Constância mostrou novo estado de boa esperança. Tinham decorrido apenas três lustros desde o casamento principesco. Está-se em 1345. Chega a hora do parto e a esperada mãe, agoniada pelos ciúmes e pelo contratempo de um desenlace infeliz, adoece gravemente até dar-se, como certa, a sua próxima morte.
Débil, emagrecida, suporta sangrias, toma poções e contempla, do leito, as mil relíquias que tem trazido até ao seu quarto, à sua Câmara, para intercessão celestial.

de Castela, amparados pelo prestígio do seu pai, um dos nobres mais
influentes nessa corte.

INES DE CASTRO - 3 -

Ao lado da moribunda está o príncipe Dom Pedro, tenebroso pelo que se avizinha, e está Inês, para quem são as olhadelas mais ternas e insinuantes de Pedro. Está a desenvolver-se uma das páginas mais comoventes da história do Palácio de Coimbra, a cidade que sobe e de agacha numa colina, enquanto que, alheio à tragédia, corre mansamente, brilha o inquieto Mondego.
O doce e exacerbado lírico Eugénio de Castro, glosou esta cena nos versos mais belos que entesoura a literatura portuguesa. Pedro, comovido, abraça o corpo lasso de Constância e deposita nos seus lábios, já arroxeados, um beijo apaixonado, mais de arrependimento do que amor. Inês contém os seus gestos, porque a piedade se impõe a sentimentos mais profundos.
Quando trata, discretamente, de retirar-se, para não perturbar a intimidade daquele instante, escuta seu nome na voz débil da sua senhora. Se aproxima. Uma negação da enferma que pretende ser imperioso na sua obrigada lassidão, a evita de chegar seu rosto ao de Constância, que lhe entrega o beijo que recebeu enquanto que umas palavras permitem dar a entender à galega que lhe devolve o que para ela era, um dos que de seus lábios tinha recebido. Fizeram-se as solenidades a que o luto oficial determinava. Dobraram, lentos e lúgubres, os sinos de todos os templos da cidade. Gasta-se o incenso nas exéquias na catedral. O povo chora a morte inesperada de uma princesa que ama, e que entregou a sua vida dando-a a quem um dia cingirá a coroa portuguesa.
Com a gala e o sigilo do luto oficial, Pedro vê em segredo, Inês. A corte não oculta o seu profundo desgosto, e Inês é levada à força para Albuquerque, na Estremadura, do outro lado do Tejo. O cuidado apenas consegue seu fim – afastar o príncipe de Inês. Mas sem resultado, porque Pedro, para aliviar suas supostas penas, organiza saídas da casa que lhe destinam até onde se encontra o seu amor.
Olvidando a oposição rei, seu pai, traz de novo para Portugal Inês e a instala no palácio de Santa Clara, nas amenas margens do rio que circunda Coimbra. As tensões se extremam e o príncipe se revolta contra o seu pai. Tem partidários no Norte, desde o Porto até à fronteira galega. Anuncia que secretamente contraiu matrimónio com Inês, de quem já tem dois filhos e que a sua espada cortará a língua de quem ouse sequer chama-los de bastardos e não infantes legítimos de Portugal. Os irmãos de Inês, com seus partidários, apoiam Pedro e intrigam na corte
Os amores de Pedro e Inês atingem o escândalo. Afonso IV consulta e ouve os seus cortesãos. Recusa horrorizado a proposta que lhe formulam de assassinar Inês, mas, finalmente, concorda alegando razões políticas e como tal aceita. Álvaro Gonçalves, Pedro Coelho e Diogo Lopes Pacheco encabeçam a conjura.
Aproveitando uma ausência do príncipe cavalgam, ainda noite cerrada, até ao palácio de Santa Clara. Inês que os conhece, recebe-os confiada enquanto atende os seus filhos, mesmo ao começar o novo dia. As crianças, de tenra idade, presenciam horrorizados a cena. Desembainham as espadas os conspiradores. De nada vale as súplicas de Inês, que apela a sua condição de mãe. Na sua própria câmara é decapitada. Uma tela da parede do palácio é a mortalha do seu corpo sem vida, que se enterra num lugar próximo.
A notícia, apesar do segredo, corre de boca em boca. Pedro a recebe e não quer admiti-la. Os conjurados assassinos fogem para Espanha e refugiam-se em Sevilha. O príncipe, desesperado, começa a preparar a vingança.(cont)



INÊS DE CASTRO
- 4 –

EL REI VINGOU A MORTE DA SUA AMADA NUMA
CERIMÓNIA DOLOROSA

Os acontecimentos precipitam-se. Pouco mais de um ano tinha passado quando, em 28 de Março de 1357, faleceu o rei Dom Afonso IV. Pedro é já rei de Portugal. O seu poder e influência junto do seu sobrinho, o rei de Castela, de seu mesmo nome e idêntico apodo futuro, o Cruel, entrega-lhe dois dos assassinos, Álvaro Gonçalves e Pedro Coelho, porque o terceiro tinha desaparecido.


Pedro os leva a Coimbra. Reúne os seus mais fiéis e ordena que em presença de todos, os traidores sejam submetidos aos mais cruéis tormentos, tão habilmente aplicada que não julguem tratar-se de morte. Contam os cronistas, talvez apócrifos, que a um arrancaram o coração pelo peito e ao outro pelas costas. Os cadáveres foram queimados e as cinzas lançadas ao Mondego, para que a corrente as distanciasse da tragédia. As depositasse em mil pontos do seu leito.

O SEU ESQUELETO FOI VESTIDO DE GALAS REAIS
PARA LHE RENDEREM HOMENAGEM

O rei ordenou a exumação do cadáver da sua amada, cuja localização lhe foi indicada pelos assassinos durante o tormento. O transladou para o palácio, aí o vestiram com as melhores roupagens, de gala e ele mesmo coroou a caveira que rematava o momento de tão macabra simulação.
Ocupou o sítio ao lado de sua amada, com os restos dos dedos da mão enjoiada a tomou entre as suas, e obrigou a toda a corte, incluindo dignidades eclesiásticas, se ajoelhassem perante o revestido esqueleto e o acatassem como imaginária rainha de Portugal. Quem não tinha sido coroada em vida, reinava depois de morrer, de tão alucinante e insuperável maneira.
O nosso grande lírico Luís de Camões o disse nos Lusíadas “ Que depois de morta foi Rainha”. Repete-o Luís Véles de Guevara na peça dramática “Reinar depois de morrer” Até Júlio Dantas, o apaixonado romântico muitas vezes o confirmou. Um artista espanhol, Martínez Cubells, foi distinguido com a primeira medalha com a pintura de um quadro há cem anos, que está guardado no museu de Madrid. Debaixo do historiado toucado com que foi revestido o esqueleto se oculta apenas a palavra impossível de uma boca que perdeu a mandíbula inferior. Nobres e eclesiásticos se amontoam à esquerda da macabra do par real, esperando seu turno, da imposta reverência à defunta. Há historiadores que negam este acontecimento, e até tem razão apoiando-se em documento antigos, de sigilo plúmbio. Não o creiais, porque, se o fazeis, renunciareis à fantasia. Pensai, ao contrário, que o cadáver de Inês foi levado aos ombros, por caminhos medievais, desde Coimbra até Leiria, para que repousasse eternamente em Alcobaça, junto a ele mesmo, el Rei, em sepulcros de tão belo lavor que parece que os vultos funerários palpitam.
Oitava CVIII de canto III de “OS LUSÍADAS” de Camões, dedicada a que reinou depois de morrer :

PASSADA ESTA TÃO PRÓSPERAVITÓRIA,
TORNADO AFONSO Á LUSITANA TERRA,
A SE LOGRAR A PAZ COM TANTA GLÓRIA,
O CASO TRISTE E DINO DA MEMÓRIA,
QUE DO SEPULCRO OS HOMENS DESENTERRA
ACONTECEU DA MÍSERA E MESQUINHA
QUE DEPOIS DE SER MORTA FOI RAINHA

FARO DE VIGO - Mitos y Lendas de Galícia Fascículo nº 3 – 1993 –
TRADUÇÃO de LUIS COSTA -
Email : luisdiascosta@sapo.pt
publicado por Varziano às 14:53

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